"Sing! My angel of music..."

Friday, October 13, 2006

“Os símbolos são mensagens da Mente Universal”



Certas atividades me parecem verdadeiramente maçantes. Enquanto limpo o quarto, lembro-me de uma ilustração que vi, certa vez, num livro, cujo subtítulo era: “Eremitas Zen executando jocosamente tarefas caseiras”. Que arte! Tarefas caseiras são em geral cansativas e repetitivas demais para serem executadas jocosamente...
Meu altar está coberto de poeira, cinzas de incenso, palitos de fósforo riscados... “Elemento terra é o que não falta!”, penso, um pouco desanimada. Vou precisar tirar tudo, sacudir o forro, lavar a taça, o pentagrama, e também as pedras... “É bom que renovo as energias do altar”, tento me consolar. Mas logo me animo. Afinal de contas, é o meu altar! Uma expressão de minha fé! Tiro o punhal cigano que uso como athame da bainha: está enferrujando, é bem antigo. Herdei da minha avó. Ele ficava pendurado na parede, bem em frente à porta de entrada, junto com outros dois. “Como decoração”, é o que ela dizia. Depois, ela passou a guardá-lo numa gaveta fechada a chave. Antes disso, devia ser usado para abrir correspondências, segundo meus tios. Onde ela arranjou? Ganhou de meu avô, que arranjou com ciganos, ninguém sabe explicar como nem por quê. Pois é, e eu gosto demais desse punhal de dois fios... mas vou ter que arranjar outro, pelo visto. Este está bastante enferrujado, e empenado. Será que tem recuperação? Acho que vai ser difícil, ele parece muito frágil, prestes a se quebrar...
Lembro-me do dia que o encontrei. Pouco depois do falecimento de minha avó, as coisas dela estavam sendo guardadas em caixas. As coisas “de valor” – tipo jóias, móveis e eletrodomésticos – já tinham sido distribuídas por alguém que sabia das vontades dela. Fiquei muito orgulhosa, porque ela fez questão de que eu ficasse com o “anel de grau”, que ela ganhou quando se formou no magistério! Também quis que eu ficasse com uma imagem muito bonita de Nossa Senhora da Rosa Mística (vovó era católica apostólica romana, e não abria mão disso, apesar de às vezes “jogar as cartas”). O resto foi sendo guardado nas caixas: livros, fotos, cartas, material de tricô... e as coisas que estavam na tal gaveta fechada a chave: um missal romano cotidiano, da época em que ela freqüentava a Congregação Mariana; um terço; um baralho cigano; um tarô muito antigo, já velho e faltando algumas cartas; o baralho comum que ela usava para “jogar as cartas” (se bem que ninguém a levava a sério, porque não entendia bem, e porque achava que era passatempo da velhice); uns livros de cartomancia; e os punhais. Pois, para mim, ali estavam as coisas mais valiosas: e já que ninguém protestou, fui ficando com elas, inclusive os três punhais ciganos, pelos quais ninguém se interessou. Um deles tinha fio duplo, e achei perfeito para ser meu athame, já que até então usava (sem nenhuma culpa!) uma faca de cozinha. Na época, a situação financeira era muito difícil, e não podíamos comprar um athame. E nem a taça, por isso usávamos um copo comum. Eu compunha o altar com um cristal de quartzo transparente e outro rosa, uma ágata vermelha e um lápis lázuli, que me acompanhavam desde a adolescência; meu marido acrescentava as pedras dele.
Lembrando-me disso, vou arrumando meu altar após a limpeza: agora tem uma taça bonita, devidamente cheia com água mineral (pois é difícil conseguir a água de chuva ou de uma nascente!), um pentagrama de ferro fundido, um pequeno incensário indiano que encontrei por acaso (é uma história comprida...), as mesmas pedras, e o athame, com sua bainha de couro. Um altar bem composto, como manda o figurino! No canto, ficam as “varinhas”, que são de uso comum (eu e meu marido), que ele mesmo fez com uns galhos retorcidos em forma de espiral, que ele encontrou, certa vez, caminhando pela mata. Às vezes, dependendo da época, enfeito-o com flores, uvas ou maçãs; ás vezes, deixo nele as bijuterias que uso com mais freqüência; e gosto de pôr umas sementes de anis-estrelado, para concentrar melhor as energias.
Limpeza feita, altar arrumado, preparo-me para renovar também a energia que concentro nele e em cada objeto que o compõe. Acendo uma vela branca. Enquanto relaxo e respiro calmamente, concentro-me no simbolismo de cada objeto que tenho diante de mim: o cálice contendo a água, simbolizando o ventre da Grande Mãe, e o antigo e sagrado elemento Água, que representa as emoções transformadoras, essenciais para a magia. Num ritual, o cálice representa o aspecto feminino, e é usado para conter água ou vinho para serem consagrados. O athame de dois gumes, símbolo do Deus e do antigo e sagrado elemento Ar, que representa o poder do pensamento e da palavra direcionados e bem utilizados, que define a direção da magia. Os dois gumes nos lembram a pequena distância entre os dois lados da magia (um instrumento desses pode ser usado para repartir um alimento, ou para ferir e matar), e também lembra que tudo o que vai, volta. Num ritual, junto com o cálice, consagra a bebida e realiza a união ritualística. O elemento Ar também pode ser representado por um incenso. A vela, símbolo da própria chama da vida, e do antigo e sagrado elemento Fogo, nos lembra a fagulha de vida que nos anima, a nossa ligação com o Divino Todo, a força da inspiração, do entusiasmo e da criatividade, a própria magia em ação. O Fogo, quando é demais, pode causar destruição, quando é de menos, pode destruir também através do cinismo e da frieza. O pentagrama, símbolo da magia, que representa a matéria (observe a estrela, que parece uma pessoa de braços e pernas abertos) contida pela energia maior, do Grande Uno, representado pelo círculo. O pentagrama simboliza o antigo e sagrado elemento Terra, a força que nutre a vida e a magia. A estrela de cinco pontas virada para cima representa também os quatro elementos e sua transcendência através da consciência apontada para o alto, que é a ponta de cima. Virada para baixo, tradicionalmente representa a chamada magia negra, com suas forças restritas e direcionadas apenas para o mundo material, do poder tirânico, dos prazeres dos sentidos e das riquezas materiais. O elemento Terra pode ser representado de outras formas: pedras, pratos contendo terra ou sal, um vasinho com alguma planta...
Toco carinhosamente cada objeto: eles são símbolos. Segundo Carl Jung, a quem muito admiro, “o símbolo nunca define. Ele sugere. E pela sugestão nos induz, através de um processo inconsciente, a perceber e relacionar entre si elementos aparentemente dispersos, que, embora não saibamos conscientemente, estão armazenados no Inconsciente Coletivo. Este fenômeno de apreensão e analogia ocorre em nível energético, não consciente, e pode revelar aspectos não racionais da psique, nem sempre controladas pela razão.” Ou seja, os símbolos nos ligam à nossa própria História enquanto humanidade; eles nos ligam à nossa Alma. Ao tocar cada objeto, tenho consciência de que estou impregnando-os com minha própria energia; estou conectando minha energia à energia dos símbolos, e de tudo o que eles me dizem. Para simplificar, estou orando, conversando com as coisas Divinas. Os símbolos são os instrumentos que usamos para termos acesso à nossa essência.
Agora, não sei se por causa da limpeza ou da reenergização, o altar parece brilhar. Cada objeto parece estar exatamente onde e como deveria estar. Ele está cheio de sentido! Cada objeto está consagrado com o sentido da Antiga Tradição, e mais ainda, com o sentido que flui de mim. “São tantas as formas de se consagrar objetos mágicos”, penso, “e todas elas são válidas. Mas a mais correta é aquela que faz sentido...”
Hora de continuar limpando a casa. Enquanto prossigo, lembro que preciso providenciar uma vassoura consagrada: afinal, a casa também precisa de uma “limpeza energética” de vez em quando! Lembro-me da figura do eremita zen... com a vassoura consagrada, é bem mais fácil realizar a tarefa “jocosamente”, pois não preciso encostar a vassoura no chão para limpar energeticamente!
Na cozinha, dou uma boa olhada para o caldeirão: ele representa o “caldeirão da sabedoria” da Deusa, cujo conteúdo nos é dado aos poucos, no decorrer do caminho. Também é um instrumento para fazermos as famosas “poções”, que algumas vezes não passam de receitas fitoterápicas impregnadas pelas nossas melhores energias, abençoadas pelos nossos rituais, e por isso mesmo cheias de magia. Ou então são banhos, onde nos integramos diretamente com a energia das ervas e da Natureza que nos nutre, para fazermos “as coisas acontecerem”. Quem disse que as bruxas não têm caldeirões e vassouras? Justamente a parte mais divertida! Agora, já estou até desconfiada da vassourinha daquele eremita zen...

0 Comments:

Post a Comment

<< Home